Dossiê do Futmesa dos Anos 60
Conforme já publicamos, os anos de
1966 e 1967 foram marcantes para a mudança e evolução do futmesa brasileiro.
Foi em 1966, naquele torneio de aniversário da Liga Caxiense, que os baianos
Oldemar Seixas e Ademar Carvalho, convidados especiais para o evento, fizeram
uma partida demonstrativa da Regra Baiana que agradou a todos os presentes. Os
gaúchos, acostumados com os times formados por botões com cores e tamanhos
diferentes, ficaram encantados com a padronização e personalização dos botões
baianos. A partir daí surgiu a idéia de unificação das regras Gaúcha e Baiana,
pelos então presidentes da Federação Rio-grandense e da Liga Caxiense de
Futebol de Mesa, Srs. Gilberto Ghizi e Adauto Sambaquy, respectivamente. Os
dois passaram a estudar ambas as regras, capítulo por capítulo, tentando
adequá-las para a unificação.
Ainda em dezembro deste ano, no
congresso de abertura do Campeonato Estadual Gaúcho, em Caxias do Sul, Gilberto
e Sambaquy apresentaram o projeto da nova regra a todos os participantes do
campeonato que o aprovaram por unanimidade. Entre os participantes deste
congresso estavam botonistas de expressão da época como Paulo Borges, Fausto
Borges, Claudio Saraiva, Sergio Duro e Clair Marques.
Com a aprovação de todos, no mês
seguinte, mais precisamente no dia oito de janeiro de 1967, Gilberto e Sambaquy
foram para Salvador na Bahia, onde aconteceu a famosa reunião com a intenção de
unificar as regras de futmesa praticadas principalmente nos estados do Rio
Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Surgia então a atual “Regra Brasileira Um Toque Disco”. A comissão original da
Regra Brasileira foi composta por Ademar Carvalho, Nelson Carvalho, Roberto
Dartanhã e Oldemar Seixas, pela Bahia, Adauto Celso Sambaquy e Gilberto Ghizi
pelo Rio Grande do Sul.
Foi a partir daí que se iniciou o
processo de implantação da Regra Brasileira no Rio Grande do Sul e deu-se a
ruptura com a Federação Rio-grandense de Futebol de Mesa que não adotou a nova
regra.
Estes fatos geraram uma série de dúvidas,
questionamentos e até mesmo algumas “rixas” que, de certa forma, perduram até
os dias de hoje, especialmente no círculo do futmesa gaúcho.
- Como
explicar esta ruptura com FRFM que não aceitou a Regra Brasileira?
- Não era
Gilberto Ghizi, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol de Mesa?
- Não foi ele
um dos autores do projeto e um dos criadores da Regra Brasileira?
Para responder estas perguntas, nada
melhor do que o relato de pessoas que participaram ativamente deste processo.
Em conversa com os amigos Adauto Sambaquy e Clair Marques conseguimos elucidar
muitos fatos obscurecidos ao longo do tempo e que agora podem nos dar o
entendimento necessário sobre o que realmente aconteceu.
Como
e onde começou esta história?
Botões
LIONE
Os Botões LIONE começaram a ser
fabricados por Lenine Macedo de Souza, em 1962, quando o Rio Grande do Sul já
era abastecido suficientemente pela grande Fábrica de Botões Puxadores
Scharlau. A Scharlau fabricava puxadores para móveis e botões para futebol de
mesa com “galalite” e chegou a produzir cerca de 300 botões de galalite por dia
se tornando uma das maiores fábricas de botões de todos os tempos no Brasil. O
galalite é um material obtido a partir da caseína (proteína do leite) com a adição de formol,
corantes naturais, pó de osso e glicerina, que da uma qualidade muito especial aos botões. Dos puxadores para moveis da Scharlau e do pó de osso utilizado no
galalite vem os nomes muito comumente utilizados para os botões: “botões
puxadores” e “botões de osso”. Os botões
LIONE eram fabricados com uma matéria prima em pó, chamada “pelopas”, derivada
do petróleo, e eram duros como os botões de acrílico e de paladon (também derivados de
petróleo). Os botões de pelopas nunca conseguiram competir com os botões de galalite
da Fábrica Scharlau, porque Lenine utilizou formas térmicas industriais
que não davam um bom acabamento aos botões. Normalmente os botões LIONE precisavam
ser lixados e polidos antes de serem utilizados.
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Exemplares de goleiro e botão LIONE, feitos de pelopás |
Em virtude da batalha desigual
contra a grandiosa Fábrica Scharlau e seus fabulosos botões de galalite, Lenine
numa tentativa de reverter o quadro negativo da sua fábrica de botões LIONE,
fabricava também outros materiais como fichas, bolinhas, goleiras, goleiros,
mesas e os levava para demonstrações e venda em outros municípios. Nesta caminhada,
em 1963, Lenine, então presidente da Federação Rio-grandense de Futebol de
Mesa, foi a Caxias do Sul fazer uma demonstração da sua regra e apresentação do
seu material para prática do futmesa. O evento, que aconteceu no Recreio Guarany, reuniu um bom número de botonistas que passaram a contar com várias mesas e
times de Lenine. Outras agremiações, especialmente bancárias, presentes ao evento, também
adquiriram o material de Lenine. O representante da Associação Atlética Banco
Brasil (AABB) Raymundo Antonio Rotta Vasques, adquiriu uma mesa e dois
times de botões LIONE.
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Adauto Sambaquy na sede da AABB de Caxias do Sul |
Com a aquisição dos materiais de
Lenine o futebol de mesa começou a se difundir de forma especial entre os
bancários e em maio de 1963, realizou-se o I Campeonato dos Bancários organizado
com a participação de adultos em Caxias do Sul. A competição foi organizada por
Marcos Lisboa e aconteceu no Sindicato dos Bancários de Caxias do Sul, cujo
presidente era Dauro Brandão de Mello, gremista e aficionado pelo futmesa.
Participaram dez técnicos representantes do Banco da Província, Banco do Estado
do Rio Grande do Sul (hoje Banrisul), Sul Banco (depois Banco Sulbrasileiro e
depois Banco Meridional), Banco Nacional do Comércio e Banco do Brasil, onde
Sambaquy havia recentemente ingressado. Os três primeiros classificados foram
representantes do Banco do Estado do Rio Grande do Sul: Marcos Lisboa, campeão,
Renato Miller e Delesson Orengo, que ficaram empatados em segundo lugar. Adauto
Celso Sambaquy, único representante do Banco do Brasil, ficou com a quarta
colocação.
“Em
1963, quando eu comecei no Banco do Brasil e descobri que havia um departamento
de futebol de mesa, lá estava uma mesa, fabricada pelo Lenine, e dois times de
plástico de marca LIONE, um verde e um azul. Como eu tinha os meus puxadores,
não jogaria com eles. Quem os utilizava era o Rubem Bergmann que estava
iniciando, apesar de já ser idoso na época.” (Sambaquy)
Em junho deste mesmo ano, também
realizou-se I Campeonato Interno da AABB com a participação de onze botonistas.
Sambaquy conquistou o título de campeão ficando Paulo Fabião em segundo, Ivan
Mantovani em terceiro e Roberto Grazziotin em quarto.
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Drauro Brandão de Mello |
Finalmente em gosto, realizou-se o I
Campeonato Caxiense de Futebol de Mesa, também no Sindicato dos Bancários.
Marcos Lisboa sagrou-se campeão e Vanderlei Duarte vice-campeão. No ano
seguinte, 1964, repetiu-se a mesma seqüência de campeonatos em Caxias do Sul,
onde o futmesa começava a se desenvolver de forma fantástica.
Liga
Caxiense de Futebol de Mesa
Apesar do rápido crescimento do futmesa
os caxienses ainda não eram convidados para participar dos campeonatos
estaduais. Neste sentido, Sambaquy tomou a iniciativa de enviar uma carta para
a Federação Rio-grandense de Futebol de Mesa, e foi informado que para
participar das competições oficiais seria necessário ter uma entidade caxiense
filiada a FRFM. Em junho de 1965, Lenine Macedo de Souza, acompanhado dos
botonistas Cláudio Saraiva e Renato Ramos, então presidente da FRFM, foram a
Caxias do Sul passar orientações para efetivar a almejada filiação.
Foi assim que os caxienses, liderados
por Adauto Celso Sambaquy, no dia 1° de julho de 1965, nas dependências do
Diretório Acadêmico Amaro Cavalcanti, da Faculdade de Ciências Econômicas de
Caxias do Sul, fundaram a Liga Caxiense de Futebol de Mesa. A primeira
diretoria da Liga foi então eleita e ficou assim constituída: Presidente:
Adauto Celso Sambaquy, Vice-presidente: Antonio Carlos Oliveira, 1º Secretário:
Saul Henrique Vanelli, 2º Secretário: Deodato Maggi, 1º Tesoureiro: Delesson
Orengo e 2º Tesoureiro: Sérgio Calegari.
A Liga Caxiense de Futebol de Mesa foi
criada dentro da Regra Gaúcha, criada por Lenine Macedo de Souza.
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Jonas, Ruaro, Agenor, Augusto, Peleti, Jorge Resnde, Sambaquy e Rudy
Vieira na sede do Vasco da Gama, hoje AFMA Caxias do Sul |
No dia seguinte, em comemoração a
criação da Liga, foi realizado o I Torneio Intermunicipal do Rio Grande do Sul.
Nele apresentaram-se grandes nomes do futebol de mesa gaúcho, de Porto Alegre:
Lenine Macedo de Souza, Carlos Saraiva (campeão gaúcho da época), Renato Ramos
(então presidente da FRFM), Antonio Azevedo, Sérgio Duro e Gilberto Ghizzi; de
Caxias do Sul: Marcos Lisboa, Vanderlei Duarte, Sérgio Calegari, Deodato Maggi,
Raymundo Vasques e Adauto Sambaquy.
Ainda em 1965 a Liga Caxiense já
enviou representantes para o Campeonato Estadual e conseguiu o vice-campeonato
com Deodato Maggi, sendo Paulo Borges o campeão.
Torneio
de I Aniversário da Liga Caxiense
Começa o ano de 1966 e Caxias do Sul
surge como grande força do futmesa gaúcho. A fundação da Liga Caxiense e a
conquista do vice-campeonato estadual colocam a cidade em posição de destaque
no esporte a nível estadual. A FGFM elege Gilberto Ghizi como presidente que
passa a dar créditos para a nova entidade do futmesa gaúcho.
Foi neste clima que em junho de 1966,
comemorando seu primeiro aniversário, a Liga Caxiense, promoveu um torneio onde
reuniu grandes botonistas do Rio Grande do Sul além dos baianos Oldemar Seixas
e Ademar Carvalho, convidados especiais para o evento. Foi neste torneio,
jogado na Regra Gaúcha, que o Rio Grande do Sul conheceu os botões
padronizados, com as cores e distintivos dos clubes, utilizado pelos baianos.
Ademar Carvalho, mesmo jogando em uma regra bem diferente da sua, acabou
ficando com o vice-campeonato. Após o término do torneio os baianos fizeram uma
demonstração da “Regra Baiana” em uma mesa especialmente construída para este
fim e os gaúchos ficaram encantados com a beleza e plasticidade do que viram. O clima
de interação dos gaúchos com os baianos foi tão grande que FRFM homenageou os
convidados baianos com o primeiro e segundo “Botão de Ouro”, prêmio concedido
na época somente a grandes personalidades do futmesa. A partir daí Ghizi e Sambaquy começaram a elaborar um anteprojeto de unificação das regras, estudando capítulo por capítulo, tentando ajustar o que, para eles, havia de melhor em cada uma delas.
“A
Federação Rio-grandense elegeu Gilberto Ghizi como presidente. O Ghizi
aproximou-se da Liga Caxiense, notando desde cedo o nosso valor. Nesse ano
promovemos o torneio de primeiro aniversário da liga, e convidamos os
botonistas de diversas cidades gaúchas. Convidamos também ao baiano Oldemar
Seixas, com o qual mantínhamos correspondência. Para nossa surpresa Oldemar
aceitou o convite e trouxe consigo Ademar Dias de Carvalho. Pediram os baianos
que conseguíssemos para eles uma tábua de 2,20 x 1,60, lixas e sarrafos para as
laterais. Queriam demonstrar o futebol de mesa que eles praticavam. O torneio
de aniversário foi realizado na regra Gaúcha e foi emocionante até o final,
pois Ademar Carvalho, com seus botões padronizados e bem maiores dos que os
nossos chegou à final, perdendo por um lance infeliz, quando ao atrasar a bola
ao goleiro, com o peso do botão, jogou goleiro e bolinha para dentro do gol.
Ficou com o vice-campeonato, sobrepujando ícones da regra gaúcha. Após o
encerramento e entrega dos troféus, os dois baianos fizeram uma demonstração do
futebol praticado na boa terra. Não dá para descrever a admiração de que todos
foram tomados. Ao ver dois times padronizados em campo, com jogadas executadas
com precisão, todos manifestaram-se admirados. Isso chamou a atenção do Ghizi,
e, em conversas, trocávamos idéias sobre uma regra que pudesse unir a nossa com
a deles. Com a grande vantagem de todo nordeste do país estar jogando a regra
baiana. Quem sabe, assim, poderíamos ter um campeonato brasileiro da
modalidade. No restante do ano fomos alimentando a idéia e juntando partes, até
que o Ghizi conseguiu um anteprojeto de uma regra que trazia muito da gaúcha e
muito da baiana.” (Sambaquy)
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Campeonato Estadual Gaúcho de 1966
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O sucesso do torneio foi tão grande
que Gilberto Ghizi solicitou que a Liga Caxiense organizasse o Campeonato
Estadual de 1966 em Caxias do Sul. Sambaquy e sua equipe aceitaram o desafio e
organizaram um campeonato impecável! Pela primeira vez a competição aconteceu
em três categorias: infantil, juvenil e adulto. O campeonato aconteceu dia 22
de dezembro e os jogos aconteceram no Colégio do Carmo. O alojamento, gratuito,
para todos os participantes foi no Seminário Diocesano de Caxias do Sul. A
premiação dos campeões foi dobrada, pois a FGFM concedeu troféus para os
campeões e a Liga Caxiense também premiou com troféus os campeões e
vice-campeões de cada categoria.
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Gilberto Ghizi Presidente da FRFM 66/67 |
O campeonato foi um sucesso! Sambaquy,
responsável pela organização, também recebeu da FRFM o terceiro “Botão de
Ouro”, das mãos de Paulo Borges e na presença de Gilberto Ghizi, em
reconhecimento pelo seu trabalho e dedicação ao esporte. Além dos caxienses, o
torneio reuniu botonistas de Porto Alegre, Rio Grande, Arroio Grande, São
Leopoldo e Rosário do Sul, entre eles: Carlos Saraiva, Fausto Borges, Paulo
Borges, Cláudio Cavalcanti, Sérgio Duro, Sérgio Calegari, Clair Marques e Luiz
Alberto Chiacchio. O título da categoria adulto ficou para Carlos Saraiva de
Porto Alegre e o vice-campeonato com Fausto Borges de São Leopoldo.
“Aceitamos
a incumbência e nos colocamos em campo no sentido de realizarmos um grande
campeonato. Combinei com o Ghizi que seriam disputadas três categorias: adulto,
juvenil e infantil. E assim foi feito. Conseguimos o alojamento no Seminário
Diocesano, pois os seminaristas estavam em férias e sobraram camas para todos
os participantes do campeonato. Um restaurante em frente ao Colégio do Carmo
fornecia a comida. Tudo pronto e o pessoal começa a chegar!” (Sambaquy)
Nesta foto tirada durante a cerimônia
de premiação e encerramento do Campeonato Estadual Gaúcho de 1966, realizado em
Caxias do Sul, algumas figuras importantes do futmesa estavam presentes e são
identificadas pelo amigo Clair Marques:
“Eu
sou o que esta no canto da mesa do lado esquerdo. O Sambaquy está bem no centro
entre as duas janelas. O que está do lado esquerdo do Sambaquy, com rosto
redondo e cara de chinês, é o meu bom amigo Paulo Borges, que era joalheiro em
POA. Uma pessoa maravilhosa que gostaria muito de reencontrar. Mandou fazer o
meu time bordô padronizado, de somente uma camada de 4 mm, com dois furos
bem mo meio dos botões, pareciam mesmo grandes botões feitos de galalite, os
cinco defensores eram maiores que os cinco atacantes. Foi um time inesquecível
a Internazionale. Do lado direito do Sambaquy, pulando um dos componentes da
foto, de camisa escura e sorrindo, é outro amigo chamado Gilberto Ghizi que era
o presidente da FRFM. Na ponta do lado direito, de bigode e camisa branca, é o
Sérgio Calegari, trabalhava junto com o Sambaquy no Banco do Brasil.” (Clair
Marques)
Reunião
de Abertura do Campeonato
Como até hoje é de costume, antes de
iniciar a competição, realizou-se a reunião de abertura do campeonato. Esta
reunião foi organizada e conduzida pelo presidente da Federação Rio-grandense
de Futebol de Mesa, Sr. Gilberto Ghizi e aconteceu no Seminário Diocesano de
Caxias do Sul onde todos estavam hospedados. Ghizi apresentou o anteprojeto da
nova regra a todos os participantes e sugeriu que o mesmo fosse levado para a
Bahia para ser apresentado e avaliado, juntamente com os botonistas
nordestinos, numa tentativa de unificação da regra, que possibilitaria a
realização de competições nacionais. Como todos nutriam este sonho aprovaram
por unanimidade a proposta e autorizaram Gilberto Ghizi, como Presidente
da FRFM e Adauto Sambaquy, como Presidente da Liga Caxiense, a levarem o
anteprojeto para a Bahia.
“O
próprio Ghizi, como maior autoridade da Federação fez a apresentação do
protótipo da regra que levaríamos para a Bahia. A reunião foi realizada no
Seminário Diocesano de Caxias, onde havíamos hospedados todos os participantes.
Por isso, toda a iniciativa coube à Federação Rio-grandense de Futebol de
Mesa, com o respaldo da Liga Caxiense de Futebol de Mesa.” (Sambaquy)
Reunião
em Salvador
No dia 8 de janeiro de 1967, Gilberto
Ghizi e Adauto Sambaquy iniciam uma verdadeira maratona em direção a Bahia para
levar o anteprojeto da nova regra e tentar a almejada unificação do esporte a
nível nacional.
“Ghizi
saiu de Porto Alegre e eu de Caxias do Sul e, de ônibus, fomos a Salvador. De oito
de janeiro até o dia 22, a maratona foi enorme. Várias noites ficávamos
discutindo as possibilidades de unificação, com vistas a criação da regra e
realização de campeonatos brasileiros.” (Sambaquy)
Chegando a Salvador, Ghizi e Sambaquy
foram recebidos pelo amigo Oldemar Seixas e juntos formaram uma a comissão para
definir a nova regra do futmesa brasileiro. Fizeram parte desta comissão:
Ademar Carvalho, Nelson Carvalho, Roberto Dartanhã e Oldemar Seixas, pela
Bahia, Adauto Celso Sambaquy e Gilberto Ghizi pelo Rio Grande do Sul.
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Sambaquy, Oldemar e Ghizi na reunião em Salvador 1967 |
Foram três dias de reuniões na sede da
Liga Baiana de Futebol de Mesa onde após a apresentação de Gilberto Ghizi houve
apenas uma divergência para confecção da nova regra. Como havia uma proposta de
redução do tamanho das mesas em relação à utilizada pelos baianos, eles
sugeriram que, como os gaúchos, de qualquer forma, teriam que construir novas
mesas e que as deles já estariam confeccionadas, fossem adotadas as medidas
utilizadas por eles. Além dos desportistas baianos que já as utilizavam, os
pernambucanos, sergipanos, potiguares e paraibanos também já teriam as mesas
prontas. Muitas entidades teriam dificuldade em confeccionar novas mesas o que
poderia ser um entrave para a aceitação da Regra Brasileira. Com a sugestão
aceita pelos gaúchos, chegaram ao consenso e a regra estava criada, com o nome
de “Regra Brasileira”.
“Partimos
daqui para a concretização de um sonho, com a pessoa que detinha o mais alto
posto da Federação Rio-grandense de Futebol de Mesa, pioneira no Brasil, mas
hoje, infelizmente, adormecida. Imaginávamos que traríamos alguma coisa nova,
que todos poderiam usufruir e, em visita a outros estados, poderiam encontrar
amigos botonistas e praticar com eles a mesma modalidade.” (Sambaquy)
A
Ruptura com a FRFM
Imediatamente após sua criação a Regra
Brasileira foi impressa. Ghizi e Sambaquy retornaram para o Rio Grande do Sul
com vários cadernos que seriam distribuídos e estudados pelos botonistas
gaúchos. No regresso a Porto Alegre, inesperadamente, Ghizi foi destituído do cargo de Presidente da FRFM que passou a ser comandada por uma equipe liderada por Lenine. Além de afastado do cargo, Ghizi foi acusado de traidor pelos membros da FRFM e não teve mais acesso ao grupo.
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Lenine Macedo de Souza, fundador da
FRFM e fabricante dos botões LIONE |
A única explicação que encontramos
para esta atitude de Lenine e da FRFM, comandada por ele, é que as modificações
propostas na nova regra associadas à dificuldade de competir comercialmente com
os botões de galalite da Fábrica Scharlau podiam colocar seu negócio em risco.
Lenine, numa atitude de desespero,
chegou a obrigar os técnicos das associações filiadas à Federação
Rio-grandense de Futebol de Mesa, a utilizarem 50% de botões LIONE
em seus times em competições oficiais. Esta atitude abalou a relação de Lenine
com a grande maioria dos botonistas filiados a FRFM. Com a sua transferência
profissional para o Paraná, nos anos seguintes, a fábrica foi desativada e a
FRFM teve continuidade com outros presidentes, que revogaram a cláusula absurda
que obrigava a utilização dos botões LIONE.
Neste comentário do nosso amigo Clair
Marques, sobre o Campeonato Estadual Gaúcho de 1967, vencido por ele em Rio
Grande, podemos perceber o quanto Lenine foi impositivo em relação à utilização
dos botões fabricados por ele:
“Nesse
campeonato em que terminamos empatados em pontos, eu e o Ênio Voges fomos
declarados campeões. Foi um campeonato estadual realizado em Rio Grande no
Esporte Clube União Fabril, clube que ficava localizado em frente ao portão
lateral do cemitério de Rio Grande e já não existe mais. Eu estava na
minha casa, já achando que o Lenine e os seus convidados não viriam mais,
quando escutei o som de fogos de artifício. Fui olhar no portão e estavam se
dirigindo para a minha casa num comboio de cinco ou seis carros e uma Kombi,
com bandeiras da FRFM e cartazes alusivos ao Campeonato Estadual de Futebol de
Mesa que seria disputado na cidade. Juntamos o pessoal de Rio Grande,
demais convidados e começamos a disputa do estadual. A finalidade maior deste
campeonato estadual descobri posteriormente, era promover os novos botões
plásticos “LIONE” da fábrica do Lenine Macedo de Souza. Cada participante
do campeonato, tinha que retirar cinco dos botões de galalite do seu time e,
obrigatoriamente, incluir no seu time, cinco botões da marca “LIONE”. Esse
detalhe o Lenine não tinha comunicado a ninguém de Rio Grande.” (Clair Marques)
As
conseqüências da ruptura
A Liga Caxiense ficou decepcionada com
a atitude de Lenine e permaneceu ao lado do Ghizi para dar continuidade a
implantação daquilo que havia sido determinado em Salvador.
A Liga Caxiense de Futebol de Mesa
seguiu fiel ao que havia sido tratado na reunião na Bahia onde, juntamente com
a FRFM, se comprometeu em difundir e adotar a Regra Brasileira. Com a deserção
da FRFM a Liga Caxiense assumiu sozinha esta responsabilidade. Caxias do Sul
aderiu imediatamente à Regra, passando a modificar mesas e botões. Começou o
trabalho de divulgação, conseguindo êxito e introduzindo a Regra Brasileira em
diversas regiões do nosso estado, até que em 1973 foi realizado o Primeiro Campeonato
Estadual da Regra Brasileira, na cidade de Canguçu.
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Abertura do I Campeonato Estadual Gaúcho de Futebol de Mesa na
Regra Brasileira em Canguçu, 1973 |
Durante o Campeonato Estadual na Regra
Brasileira, em Canguçu, foi criada a União das Ligas do futebol de mesa gaúcho,
que acabaria dando origem a Federação Gaúcha de Futebol de Mesa, fundada em
1986.
“Quando
da criação da Regra Brasileira nós pensávamos em uma unificação nacional de
nosso esporte e nunca imaginávamos que o Rio Grande do Sul não abandonaria as
suas origens. Todos acreditavam que poderia haver essa união, pois naquela
época já tínhamos em meta o reconhecimento pelo CND de nosso esporte.
Infelizmente havia o interesse comercial do senhor Lenine, que fabricava mesas
e botões, goleiras e bolinhas. Acredito que isso falou mais alto e afastou
muita gente do real espírito da coisa. A intenção da criação dessa regra jamais
foi de destruir a Regra Gaúcha (nossa regra mãe), mas propiciar a possibilidade
de novos horizontes, coisa que realmente aconteceu a partir dos anos setenta,
quando começaram a ser realizados os campeonatos brasileiros da modalidade.
Houve o rompimento de relações da Federação com a Liga Caxiense. Éramos
personas não gratas. Ficamos alijados de suas disputas, mas seguimos a nossa
ideologia e implantamos o futebol de mesa brasileiro em diversas cidades. Rio
Grande, na pessoa de Clair Marques já estava unido conosco e surgia outro nome
fabuloso que, transferido para Canguçu, levou o futebol de mesa para a região:
Vicente Sacco Netto.” (Sambaquy)
A FRFM, que contava com diversos
botonistas da elite do futmesa gaúcho, como Paulo Borges, Sergio Duro, Fausto
Borges e Claudio Saraiva, permaneceu com a Regra Gaúcha, criada por Lenine, e
continuou realizando seus campeonatos sem a participação dos adeptos da Regra
Brasileira. Esta série de campeonatos estaduais aconteceu até o ano de 1974.
Com o passar dos anos a Regra Brasileira, que mantinha articulação com os
demais estados, graças ao trabalho incansável de Sambaquy, foi ganhando espaços
da Regra Gaúcha provocando a dissolução natural da Federação Rio-grandense de
Futebol de Mesa que teve seus últimos registros oficiais no ano de 1980.
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Abertura do I Campeonato Estadual Gaúcho de Futebol de Mesa na
Regra Brasileira em Canguçu, 1973
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Apesar deste problema institucional, a
Regra Gaúcha continuou sendo muito praticada no Rio Grande do Sul e, a partir
dos anos 80, muitos botonistas criaram departamentos de futebol de mesa nos
clubes de Porto Alegre, especialmente no Grêmio de Futebol Porto Alegrense e no
Sport Clube Internacional.
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Clair Marques, Campeão Gaúcho em 1967
na Regra Gaúcha |
A Regra Brasileira evoluiu de forma
espetacular em nosso país. No Sul, a partir da iniciativa de Sambaquy, foi
tomando cada vez mais o espaço da Regra Gaúcha em vários municípios e,
inclusive, em muitos deles a regra foi adaptada para a modalidade “Cavado”,
pois na sua origem, a regra foi preconizada somente para a modalidade “Liso”.
Outros nomes também deram grande
contribuição e foram fundamentais para o crescimento da Regra Brasileira no Rio
Grande do Sul, entre eles lembramos: Adaljano Tadeu Cruz Barreto, Mario Ruaro
De Meneghi, Oswalter Soares Borges e Walmor da Silva Medeiros (Caxias), Gilboé
Lângaro Mendes (Passo Fundo), Luiz Alfredo de Boer (Rio Grande), Claudio
Schemes (Porto Alegre), Audir Schelle e Luiz Henrique Roza ( Pelotas), Vicente
Sacco Netto (Canguçu), Raul Machado Ferraz de Campos (Giruá) e Luiz Alberto
Chiacchio (Arroio Grande).
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Ângelo Slomp, Walmor Medeiros, Jorge Campagnoli, Adauto Sambaquy
e Airton Dalla Rosa no I Campeonato Brasileiro em Salvador 1970 |
A nível nacional, os campeonatos começaram somente com a utilização de botões lisoa. Com a adequação da regra para os cavados, especialmente nos estados centro-sulistas, os campeonatos passaram a ter nas mesas, técnicos com botões cavados jogando contra técnicos com botões lisos, dando origem ao nome de "Livre" para a categoria.
Em 1988, graças ao trabalho incansável
e incessante de um grupo de abnegados, entre os quais: Antonio Maria
Dellatorre, em São Paulo, Roberto Dartanhã, na Bahia, Antonio Carlos Martins no
Rio de Janeiro, Claudio Schemes no Rio Grande do Sul, José Ricardo Caldas e
Almeida, em Brasília, liderados pelo “Papa” do futebol de mesa brasileiro, Geraldo
Décourt, o futebol de mesa é reconhecido como esporte pelo Conselho Nacional de
Desportos. A partir daí o CND passa a considerar três regras oficiais de
futmesa no Brasil: a Regra Brasileira Um Toque Disco, criada na Bahia em 1967,
a Regra Paulista 12 Toques Esfera de Feltro e a Regra Carioca 3 Toques Esfera
de Feltro. Como a Regra Gaúcha não estava vinculada a Federação Gaúcha de
Futebol de Mesa e a Federação Rio-grandense havia sido extinta, a mesma não foi
oficializada.
Mesmo não sendo reconhecida pelo CND a
Regra Gaúcha continuou sendo bastante praticada no Rio Grande do Sul e, além da
retomada dos campeonatos estaduais da regra, a partir de 1997, outros eventos
significativos continuaram acontecendo pelo estado. Em 2007 foi criada a Liga
Gaúcha de Futebol de Mesa que até os dias de hoje vem unindo os praticantes da
Regra Gaúcha, criada por Lenine, para difundi-la e fomentar a prática do
Futebol de Mesa.
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Sambaquy do Rio Grande do Sul enfrentando José Inácio de Sergipe
no I Campeonato Brasileiro na Regra Brasileira em Salvador 1970 |
De 1970, do 1° Campeonato Brasileiro,
em Salvador BA, vencido pelo baiano, que representava Sergipe, Átila de Menezes
Liza, até 1990, no 18° Campeonato Brasileiro, no Rio de Janeiro, vencido pelo
carioca Júlio Cesar Nogueira, as competições foram na modalidade livre. De
1991, do 19° Campeonato Brasileiro, em Vitória ES até 2011, no 38° Campeonato
Brasileiro, em Recife, as competições foram divididas nas modalidades “Liso” e
“Livre”.
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Especialmente no Rio Grande do Sul a modalidade “Cavados” chegou a ser predominante, mas agora a modalidade “Lisos”, que sempre manteve sua tradição em Caxias do Sul, aparece como a grande “coqueluche” em outros municípios do estado onde alguns botonistas gaúchos, como Alex Degani e Marcelo Vinhas, entre outros, reconhecidos nacionalmente por seus méritos nos cavados, aparecem com força para brigar pelos títulos contra os nordestinos, agora jogando com os lisos.
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Com a evolução da modalidade “Liso”
nos estados centro-sulistas surge a preocupação com um possível “esvaziamento”
nas competições nacionais da modalidade “Livre (Cavado)” quando realizada
concomitantemente com a modalidade “Liso”. Isto já pode ser observado
claramente, especialmente nas duas últimas edições: em Porto Alegre 2010 e
Recife 2011, quando muitos botonistas, especialmente gaúchos, tradicionalmente
adeptos dos “cavados”, disputaram a modalidade “Liso’. Na última Assembléia
Geral da CBFM o tema foi discutido e foi aprovada uma proposta apresentada por
Daniel Maciel do Rio Grande do Sul onde os campeonatos brasileiros 2012 serão
realizados em datas e locais distintos para as modalidades “Liso” e “Cavado”,
em caráter experimental.
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Cláudio Schemes e Sambaquy nos 70 anos do
S C Internacional em Porto Alegre |
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Conclusões
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Para nós, o que fica bastante evidente
com estes fatos é que, independente do juízo que possamos fazer, Lenine Macedo
de Souza e Adauto Celso Sambaquy foram figuras fundamentais para que o nosso futmesa
seja o esporte de alto nível que é nos dias de hoje.
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Lenine foi um idealista que fundou a
primeira associação, a primeira federação do esporte no Brasil e foi um dos
precursores do esporte no sul do país. Talvez se tivesse feito uma leitura
diferente sobre a introdução da Regra Brasileira no Rio Grande do Sul o destino
da Federação Rio-grandense de Futebol de Mesa pudesse ser diferente, abraçando
as duas regras. Inclusive poderia ter visto isto como uma oportunidade e não,
como nos parece, uma ameaça ao seu negócio.
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Sambaquy, mais do que um idealista,
foi um abnegado, nutrido pelo sonho de ver o esporte sendo praticado de forma
competitiva a nível nacional, foi fiel aos seus amigos e levou em frente o
projeto de unificação das regras possibilitando que o futmesa brasileiro seja
um esporte de alto nível e reconhecido pelo CND. Em frente às dificuldades
encontradas no retorno ao Rio Grande do Sul, juntamente com Gilberto Ghizi, foi
corajoso e seguiu em frente, pois o projeto de unificação já não era mais dele
ou de Ghizi, era do futmesa brasileiro. Não fosse sua atitude, como seria a
evolução do nosso futmesa? Sem nenhuma sombra de dúvidas muitos contribuíram
para a evolução do esporte no Brasil, mas Adauto Celso Sambaquy sempre deverá
ser lembrado como um dos maiores, senão o maior nome desta história tão
maravilhosa do nosso futmesa.
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Obrigado amigo Sambaquy e salve o
futmesa brasileiro!