sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Arquivos do Futmesa Brasileiro (4)

Décourt por Décourt
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Geraldo Cardoso Décourt, "O Papa do futmesa brasileiro"
Ano passado, quando comemoramos os 100 anos do nascimento de Geraldo Cardoso Décourt, “O Papa do futebol de mesa brasileiro", publicamos uma matéria em sua homenagem onde, além da sua importância histórica para o futmesa brasileiro, contamos um pouco sobre sua vida, especialmente de seu envolvimento com as artes. Décourt foi escritor, pintor, compositor e até se arriscou como ator de cinema, revelando toda sua genialidade.

Hoje, dando continuidade a nossas publicações nos “Arquivos do Futmesa Brasileiro”, diretamente do acervo de Adauto Sambaquy, queremos apresentar uma autobiografia de Décourt onde ele nos revela um pouco mais sobre sua belíssima história.

Este documento, uma breve autobiografia, foi escrito por Décourt a pedido de seu amigo Pedro Luiz Junqueira, editor do informativo botonístico: “Técnicos e Botões” da Associação Galáxia Petlem da cidade de São Paulo. O texto aqui transcrito não sofreu nenhuma correção, ou seja, é o original, literalmente escrito por Décourt:

Honra-me ainda uma vez, o caro irmão Pedro Luiz com o gentil convite de historias nesta página – onde vários colegas já o fizeram com a humildade dos autênticos botonistas – um pouco do que tenho feito pelo Futebol de Botões, ex-Celotex, futebol em miniatura, hoje popularizado em definitivo como Futebol de Mesa. Antes de penetrar na “área” do roteiro habitual seguida nesta página de honra (biografia) desejo agradecer a deferência que me está sendo concedida, bem como todas as referências já feitas a minha pessoa no T & B extensiva aos bondosos irmãos já entrevistados!


Nascido em 14/02/1911, por mercê de Deus, em Campinas, mudei-me para o Rio de Janeiro com dois anos onde, em 1922, fiquei conhecendo Higino Mangini e seu irmão Francisco, que me ensinaram o futebol de botões, tendo jogado pela primeira vez, na escadaria da Rua Visconde de Paranaguá, onde eu morava no nº 40 antes de possuir minha primeira mesa envernizada e fizemos os primeiros campeonatos em 1922 com Mario Salorenzo, José da Silva, Rudolf Langer (que deve ter levado o futebol de botões para a Áustria), Oscar Vieira e Jaime Ferraz. Higino Mangini faleceu por volta de 1927 e foi o meu mestre. Até hoje já dei o seu nome numa merecida homenagem por duas vezes: uma em Porto Alegre por volta de 1946, promovendo um Campeonato Aberto com a cobertura da Folha da Tarde (inscreveram-se cerca de 400 botonistas) e agora na AREA com a vitória de Hideo Ue Fº, no primeiro torneio interno de três toques promovido pelo Grêmio de Flávio Ferraz. No mesmo torneio de Porto Alegre, homenageei com um troféu para o vice, meu ex-colega de Rio de Janeiro, Carlos Hélio Portugal da Cunha, por volta de 1930, já na época do Celotex (com bola esférica) no campo dos irmãos Soares da Rocha, onde Portugal da Cunha jogando com perfeição e lealdade impediu-me de ser tri-campeão carioca, vencendo-me de uns 3 a 1, se não me falha a memória! Boa época aquela!

Décourt com o grande companheiro Della Torre

Nesta minha passagem pela vida (que espero que não seja a última) morei no Rio uns 30 anos, 5 no Rio Grande do Sul, casei-me em 1947 em Vitória (ES), onde já joguei diversas vezes em épocas de férias, estou novamente em São Paulo desde 1948.

Fiz parte da extinta Federação Paulista de Futebol de Mesa, quando presidente, meu amigo Decio Zuccaro, jogando no Grêmio Dramático Luzo-Brasileiro, em 1964, quando conheci Luiz Gonçalves da Silva, Flávio S. Ferraz e Roberto Milagres (estes dois últimos hoje na AREA) onde conheci também, Newton de Andrade (que joga com argolas) e Carlos Casal Del Rey (que tinha seus estádios com 4 refletores)! Enfim, difícil relembrar tanta coisa de tanta gente!...

Quero deixar bem claro que embora fizesse sozinho por volta de 1930 toda à cobertura jornalística em jornais como O Globo, A Batalha, Imparcial, A Noite, A Ordem, Diário de Noticias, Rio Sportivo, A Nação, e Revistas “Suplemente Esportivo de A Noite e o Cruzeiro” (na época da rotogravura) e A Gazeta daqui de São Paulo que ainda não tinha a Gazeta Esportiva, tive a honra de ser amigo de Thomaz Mazzoni e José de Moura, que nunca recusaram notícias de futebol Celotex e de vez em quando publicavam caricaturas minhas assinadas por Truoced (Décourt ao contrário) e na época de doença (tuberculose) que matou o meia Tatú, do Corinthians e Campeão Sul Americano de 1922 pelo Brasil, doei para uma campanha em seu benefício cem (100) exemplares de minhas regras!... Bem, queria dizer que NUNCA disse a quem quer que seja (em qualquer época) ter sido o inventor do futebol de botões, mas sim, autor da primeira Regra Impressa como CELOTEX e também nunca promovi Campeonato Sul Americano de Futebol de Botões...

Décourt com o amigo José Ricardo de Brasília

Em 1930, joguei sim uma partida com A. Santasusagna, uruguaio que me desafiou pela imprensa e consegui vencê-lo por 2 x 0. Este uruguaio ficou no Rio, montou um jornal que se chamava O FOOT-BALL, era vendido aos domingos à noite, tinha uma parte impressa e quatro colunas mimeografadas com os resultados dos jogos de futebol efetuados à tarde. Santasusagna depois vingou sua derrota num campeonato carioca, vencendo-me por 2 x 1, com duas bolas no cantinho do meu goleiro, daquelas que ultrapassam a linha de goal e param! Ainda estou vendo nitidamente na lembrança essas bolinhas (já esféricas) lá paradas!...

Recentemente tive duas gratas alegrias: visitando Santos e companhia de Hideo Ue Filho e Eliahou Vidal, por volta de Março ou Abril, conheci um senhor chamado Jurandir da Silva Marques, hoje com os seus 70 e tantos anos, que fez pequeno comício a respeito do que eu fui e fazia naquela época, citando clubes e locais onde me vira jogar, citando nomes de companheiros daquela época e etc. e agora me escreve do Rio, o irmão daquilo que resolvi denominar CONFRATERNARIA BOTONÍSTICA, senhor Getúlio Reis de Faria, diretor administrativo da Liga Carioca de Futebol de Mesa, está com 65 anos, com as mãos talvez menos trêmulas que as minhas e me relembra de minhas atividades de 1930 citando endereços completos dos locais onde joguei e com quem joguei. Comprou a minha regra IMPRESSA em uma banca de jornais do seu bairro que tentaram as traças e precisam ser substituídas! Com a minha sensibilidade de artista plástico não pude deixar de comover-me e... (pois é, homem também chora, sim senhor!...). Quero conhecê-lo! Já vivi momentos de emoção assim, com menos idade! Suportei bem! Certa vez, em Vitória (ES) quando em trabalho de seguros, fui apresentado por volta de 1942 a dois senhores que ao ouvirem o meu nome, indagaram se eu era aquele que em 1930 fora jogar futebol celotex em Niterói. Sim, respondi, como vocês lembram? Eram eles, Roberto Saleto e Gil Veloso (este último foi Deputado Federal pelo Espírito Santo, tendo falecido há poucos anos) e fiquei amigo de ambos, pois contaram-me que um irmão de Gil que era torcedor do Vasco da Gama do Rio, foi assistir a inauguração do estádio de São Januário e enquanto isso Veloso e Roberto Saleto foram me ver jogar botões em Niterói! E então, gente tenho ou não razões para me orgulhar de tanto que já fiz pelo futebol de mesa?

Décourt com os amigos no Botunice, clube que criou

Com Manezinho Araújo, hoje grande artista plástico, ex-cantor de emboladas, ex-proprietário dos restaurantes “Cabeça Chata” no Rio e em São Paulo, tivemos um papo curioso no Bar da Brahma, no Largo da Carioca, no Rio, por volta de 1935, quando saímos de um programa de Cesar Ladeira, na Rádio Mayrink Veiga. Ele cantava e compunha emboladas. Eu cantava e compunha sambas. Perguntou-me ele: você era aquele Geraldo Décourt do Futebol Celotex, que tinha na Liga Pernambucana, na parede um retrato seu, uma foto recebendo um troféu e outra de sua linha atacante? Você conheceu Jota Soares, cineasta de Recife, presidente da Liga? – Sim, Manezinho. Não era não, SOU EU MESMO!... E então, gente?

Sim gente! Está chegando a minha HORA DE PARAR! O que FIZ, VALEU A PENA, pena por pena, devo parar brevemente, antes que os que olham para as minhas trêmulas com uma curiosidade imprópria de verdadeiros esportistas, venham a sentir PENA DE MIM ou julguem que sou um ridículo e teimoso botonista!

Quero PARAR SIM! Mas, antes vou me despedir aos poucos, jogando como comecei, sozinho contra equipes ou grupos daqueles que ainda me respeitam como ser humano! Enfim, uma despedida lenta, mas honrada pela estima de meus atuais amigos! Minha despedida não será comparada com as de Silvio Caldas, meu amigo, pois será feita “lentamente”! Acabar como COMECEI como será isso?

Vou explicar: Em 1930 quando fui a Niterói, enfrentei sozinho a equipe Liga Niteroiense de Futebol de Mesa, em forma de competição. Cada vitória marcava dois pontos e empate um ponto para cada lado. Quero me despedir sem esta fobia de contagem de pontos, mas enfrentando cada botonista em 5 minutos e abraçá-lo depois, para fazer o mesmo com o “próximo”.

Décourt batendo uma bolinha

Essa idéia não nasceu hoje, mas vem sendo amadurecida vivamente. Pretendi encerrar minha participação em Santos, entregando a minha camisa ao bom amigo José Francisco ferreira, meu último adversário em partida oficial, exatamente quando participava pela primeira e ultima vez das Integrações! Sentado num canto durante aquela competição, contive-me e achei o momento impróprio, pois não queria ser tomado por demagogo, erradamente! Conversando não sei com quem, sobre a minha estada no Rio, no Congresso. Lembrei-me do convite respeitosamente carinhoso e efetivo do Sérgio Netto, que me propôs jogasse com ele e o pessoal de Brasília, nem que fosse cinco minutos, sem contagem, apenas para sentirem o orgulho de terem jogado comigo! Não topei de pronto, pois estava em terra alheia!

Décourt e Della Torre com amigos no Botunice

Agora, sentindo-me cansado de tanta luta e sentindo a impropriedade de minha continuação e por que não dizer, sentindo que os tempos mudaram, estou decididamente desejoso de PARAR! Preciso pensar em termos definitivos em duas coisas: - Manter o meu BOTUNICE INFORMA (vejam bem, não é BOTUNICE EM FORMA pois ele está crescendo mais rapidamente que previa), refiro-me ao Tablóide Informativo, oneroso para ser mantido, e ou, prosseguir na idéia do meu livro "DEPOIMENTOS” (nome provisório), também de certo custo!

Acontece, porém, que olhando para muito atrás, constato que todas as dificuldades encontradas na trajetória já percorrida, venci grandes PARADAS (mais fora do que dentro das mesas), PAREI diversas vezes sem ter que pensar como AGORA, QUANDO ALIMENTO A ESPERANÇA DE parar de vez!  O problema é que quando a gente tem apenas alguns poucos AMIGOS a nossa volta, uma decisão de parar é tomada mais facilmente.


Quando iniciei essa série biográfica, que foi dividida por Pedro Luiz em partes, estávamos em princípios de agosto e... De lá para cá, muitas coisas aconteceram. O BOTUNICE INFORMA foi levando para mais longe, minhas idéias expostas detalhadamente e essa minha forma de ser, como homem de comunicação que SOU por lutar para CONSEGUIR SER, usando de franqueza e sinceridade, respeitosa e cuidadosamente, acolhedor, sorrindo quando posso e “brigão” (no bom sentido) quando necessário for, defensor zeloso da justiça, “catimbeiro” (por que não?) diante de certos “complicados” e “difíceis” colegas de metier (como os há em toda parte), passando de “Corujão 79” para “Raposão em 80” (apelido que me foi dado pelo meu amigo “Mingão”) e como “Bom Velhinho” como me consideram muitos e me “esclarece” o Atienza ser de forma carinhosa, enfim, por tudo isso, meu micromundo botonista vai por mercê de Deus agüentando a cada dia que passa, ampliando na mesma proporção minha dificuldade para programar a minha “retirada estratégica” conforme mencionei anteriormente!

Décourt entre os amigos Sambaquy e Pedro Luiz
Junqueira no II Torneio Pletem em 1981

PARADA DURA, ESSA MINHA NECESSIDADE DE PAPAR! No duro, no duro que não é fácil, não! Parece-me até que o Pedro Luiz, como amigo meu que é, me deu “corda” para que eu evoluísse em meus planos, usando de uma estratégia habilidosa e colocando-me frente a Frente Comigo Mesmo, pudesse sentir melhor sozinho que esta minha idéia de PARAR é... Uma “PARADA”! Bem, parar de jogar eu já estou parando (EMBORA ME MORDENDO DE VONTADE DE JOGAR...). Vamos combinar uma coisa: Vou PARAR DE FALAR NISSO AGORA por três razões principais: 1º - Meu encontro de “ouro” com Getúlio Reis de Faria, no Rio de Janeiro; 2º - Meu clube e meu jornal e... 3º - a formação de um clube, o UNIBOP – União de Botonistas Paulistas, que será formado logo que eu regresse do Rio de Janeiro, congregando um grupo de botonistas espalhados pelos diversos bairros de São Paulo, que lendo uma “mini-reportagem” inserida nos últimos dias nos jornais “SHOPPING NEWS, CITY NEWS e JORNAL DA SEMANA” entraram em contato comigo por telefone e pela “fome de bola” de todos e não havendo “vagas” no BOTUNICE que joga às 5ª feiras à noite, alugarei as 6ª feiras no mesmo local da AREA, para podermos nos organizar! Que DEUS NOS AJUDE.

Filhas de Décourt recebendo homenagem dos
100 anos de seu nascimento, ano passado

Confiram aqui no blog matéria: 100 Anos de Décourt no link:
http://afumeca.blogspot.com/2011/01/100-anos-de-decourt.html


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